O que aconteceu com a Monarquia no Brasil? Parte I – Uma pequena análise histórica, política e jurídica em torno da primeira Constituição do Brasil

Me lembro quando eu era adolescente, em meados da década de 90, quando ouvi pela primeira vez que Dom Pedro I não teve a nobreza de declarar a Independência da forma com que tinha sido pintado no famoso quadro de Pedro Américo, mas que montado numa jumenta, desceu por causa de uma diarreia, e a cena tinha muito menos pompa do que nos contaram…

Atualmente, quem não ouviu essa versão? Mas estudando um pouco mais sobre essa versão da história, não encontrei documentos que a embasassem. Mas sabem o que eu encontrei? Exatamente o oposto. Há cerca de 3 anos visitei a cidade de Petrópolis no Rio de Janeiro, me desculpem a falta de nomes, pois no dia da visita  fui com minha filha pequena, e confesso que não anotei nada.

Mas o que eu li nas cartas escritas na época da era Imperial do Brasil me despertou. Li a descrição de um momento histórico onde o então Príncipe Regente foi à São Paulo, deixando sua esposa, Dona Maria Leopoldina, como regente em sua ausência. Exato, a primeira mulher a governar o Brasil, já em  1822.

Ocorre que em 1822, durante sua viagem, Dom Pedro, que até o momento era chamado apenas de Pedro de Alcântara, recebeu uma carta de sua esposa, que era uma mulher muito culta e extremamente politizada, lhe informando que era necessário que se fizesse a independência do Brasil, pois o Brasil (que aliás nunca foi Colônia… e isso é assunto para outro texto) havia chegado numa situação extrema e se fazia necessário um posicionamento. Dona Leopoldina, juntamente com José de Bonifácio Andrada, percebendo a situação política e social do momento, onde a população apoiava completamente seu amado príncipe, concordavam em tomar um posicionamento mais enérgico em relação à situação de Brasil e Portugal, enquanto Dom Pedro ainda buscava encontrar a melhor opção diplomática, mas no momento, Dona Leopoldina, princesa versada em línguas, estudos políticos, economia, e nas mais diversas áreas administrativas, ela era a regente do nosso Brasil, e amando o país que adotara, amando incondicionalmente seu esposo, e tomando uma decisão enérgica, manda avisar Dom Pedro que o momento era decisivo. Dali de onde ele se encontrava, praticamente ratificou a decisão de sua sábia esposa e declarou a Independência do Brasil a Portugal, e em seu retorno documentou isso (pois quando se ausentava da Capital, deixava de ser regente, e por essa razão Dona Leopoldina foi regente em seu lugar).

Vamos nos lembrar que a esposa não era sucessora “automática” do marido na regência, Dom Pedro poderia ter deixado qualquer outro homem em seu lugar, mas na cultura portuguesa as mulheres herdam o trono, recebem, herança e tem direitos políticos, e mesmo naquela época tão conturbada da história do mundo, as mulheres portuguesas, mesmo aquelas nascidas no Brasil (outro tópico para outro artigo, pois a população nascida em solo brasileiro era, sim portuguesa, por isso a afirmação de que juridicamente o Brasil nunca foi colônia) tinham direitos praticamente iguais aos homens, assim como os filhos havidos fora do casamento eram herdeiros dos pais, tais como os filhos do casamento. A legislação portuguesa era a mais igualitária de sua época. 

Mas voltando ao relato…

As cartas não descrevem se havia mesmo aquela quantidade de gente que se vê na pintura, mas o Príncipe Regente não andava sozinho, consigo sempre levava uma tropa e conselheiros, principalmente em viagens como esta que tinha o intuito de conhecer melhor a população e apaziguar os ânimos dos brasileiros; ele tinha sim sua comitiva. Se era tão grande eu não sei, mas a ordem da Independência muito provavelmente foi dada no acampamento montado pra que sua Alteza descansasse no trajeto. Quem nunca viu um filme épico com acampamentos da realeza?

O Brasil sempre foi um país onde não existia tanta pompa quanto na Europa, pois a cultura portuguesa não incluía tanto ostentação quanto seus vizinhos, e vindo para o Brasil, a corte se tornou mais simples, tanto pela miscigenação com a cultura indígena, quanto pelo próprio clima, mas não é difícil de se conceber um chefe de Estado usando tendas para acampar.




Quando o Brasil passou a ser independente de Portugal, e governado por um Imperador que deixaria herdeiros ao trono, foi elaborada a Constituição de 1824. Mas espera aí, o que dizia essa Constituição? Calma, tinha uma lei que mandava no Imperador? Sim!

Logo 2 anos após a Independência, mesmo com a desconfiança que essa inovação trazia, foi instituída uma Lei Máxima, onde inclusive o próprio Imperador se subordinou, e definiu a divisão de Poderes, assim como é hoje: Poder Legislativo, Poder Executivo, e Poder Judiciário, contando apenas com uma figura a mais, o Poder Moderador, que era o próprio Imperador. A experiência internacional com elaboração de constituições não era das melhores. A mais recente e famosa foi a Revolução Francesa, que derrubou uma cadeia, liberando de lá seus líderes (a Bastilha), matou o monarca, e instituiu um regime de medo que matava cerca de 100 pessoas em praça pública por dia…

Entretanto, Dom Pedro, Dona Leopoldina e José de Bonifácio, que era seu conselheiro, viam naquela situação uma possibilidade de segurança jurídica, social, e política, e a instituição de um sistema que descentralizava o poder, mantendo o recém Imperador como Chefe de Estado, mas instituindo um Presidente do Congresso (na prática o conhecido Primeiro Ministro), que possuía atribuições de Chefe de Governo, esse sim era um político, e tinha rotatividade, e era eleito por voto popular. Mas que função exercia o Imperador? Vejamos pelas próprias palavras da Constituição de 1824:

Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organisação Politica, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos.

Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador

  1. Nomeando os Senadores, na fórma do Art. 43. (Dentre os eleitos, ele nomeava 1/3, e os outros 2/3 eram os mais votados)
  2. Convocando a Assembléa Geral extraordinariamente nos intervallos das Sessões, quando assim o pede o bem do Imperio. (Assim como é hoje, o presidente, em caso de necessidade extrema convoca os Parlamentares pra sessões extraordinárias.)

        III. Sanccionando os Decretos, e Resoluções da Assembléa Geral, para que tenham força de Lei: Art. 62. (Assim como é hoje, as leis eram votas pelos deputados e senadores, e assinadas pelo Imperador, a única diferença é a nomenclatura, que na época chamavam de Decreto esse procedimento.)

  1. Approvando, e suspendendo interinamente as Resoluções dos Conselhos Provinciaes: Arts. 86, e 87.  (Caso fosse uma matéria de urgência, e não desse tempo de reunião a Assembleia Extraordinária, o Imperador mandava executar provisoriamente alguma ordem de utilidade e relevância em alguma província, e no momento que a Assembleia se reunisse, essa ordem provisória perdia sua eficácia.)
  2. Prorogando, ou adiando a Assembléa Geral, e dissolvendo a Camara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado; convocando immediatamente outra, que a substitua. (Literalmente moderada a ação deles, não deixando que ultrapassassem suas funções definidas na legislação, ou que se mantivessem no poder caso cometessem crimes, mas não interferia na atuação do Legislativo.)
  3. Nomeando, e demittindo livremente os Ministros de Estado. (Da mesma forma que é hoje exercido pelo Presidente.)

        VII. Suspendendo os Magistrados nos casos do Art. 154. (Da mesma forma com que moderava o Legislativo, aqui moderava o Judiciário. Após uma reclamação, qualquer membro do Judiciário passaria por um julgamento, onde eram apresentadas provas, e ele poderia se defender. Após sua condenação, o Imperador ouvia o Conselho de Estado, e poderia optar por suspender o magistrado de suas atividades, e caso fosse algo que precisasse de mais providencias, ele o encaminhava ao seu próprio Distrito para que fossem tomadas as providências legais.)

        VIII. Perdoando, e moderando as penas impostas e os Réos condemnados por Sentença. (A mesma anistia presidencial que existe hoje.)

  1. Concedendo Amnistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade, e bem do Estado. (A mesma anistia internacional que ocorre hoje, como no famoso caso do condenado Italiano Césare Battiste que foi anistiado no Brasil em 31 de dezembro de 2010, no ultimo dia de governo do então Presidente Lula, hoje preso condenado por corrupção.)

A leis nada mais são que a manifestação do seu momento histórico, ético, moral e do caráter daqueles que a formulam. Então vamos colocar nossas cabecinhas para funcionar, shall we?

Uma pessoa que é absolutista, que é um ditador, ou que é intransigente, restringe os próprios poderes? Distribui eles com pessoas transitórias que fogem do seu controle? Institui eleições, dá poder ao povo, e distribui competências?

Vamos fazer um outro paralelo histórico: Napoleão Bonaparte.

Lembra que citamos a Revolução Francesa? Em sua ascenção ela não teve apoio popular, afinal a guilhotina era o instrumento de controle da população através do medo, então foi necessário que levantassem um líder firme que dominasse os rebeldes. Esse líder foi escolhido, era um soldado que em 8 meses tinha alcançado o posto de General, devido às suas vitórias em guerras, e conhecido por sua violência e capacidade de liderança. Em resumo, Napoleão era um general republicano que tomou o poder assim que o alcançou, mas o que ele fez à seguir, distribuiu? Não, centralizou. Tomou para si todas as atribuições principais, se tornando absolutista em decisões. Napoleão fez parte de um movimento que derrubou um rei em nome da República, mas se tornou um Imperador por meio da força… contraditório, não?

Tanto é comemorado na atual Constituição Federal Brasileira, mas se fizermos uma análise, a Constituição de 1824, possuía o mesmo escopo organizacional, mas com uma grande diferença, pois dava ao Estado menos interferência na vida das pessoas, e dava às Províncias liberdade de se organizarem, assim como a Constituição Americana, e se detinha apenas nos assuntos mais relevantes: na espinha dorsal da Administração Pública Federal. E nesse ponto, era tão moderna quanto a Constituição atual, dispunha da mesma organização, dos mesmos parâmetros e princípios, e ainda, de maneira mais objetiva que a Constituição de 1988, previa que os Poderes não estariam impunes, ou intocados no caso de fazerem alguma desonestidade, nem interfeririam nas atribuições um dos outros, apenas o Imperador poderia supervisioná-los, e tomar providências acompanhado por um Conselho de Estado.

Existiam também hipóteses onde o próprio Imperador poderia ser deposto caso agisse contra os interesses do Estado, não estivesse em boas condições mentais e físicas, ou mesmo atentasse contra a independência ou soberania nacionais.

Ainda estou estudando sobre o assunto histórico que envolve todas essas coisas, e prometo que falarei sobre os tantos temas que envolvem a nossa verdade histórica nacional, e trarei a vocês as descobertas que eu for fazendo.

Óbvio que nosso país não é perfeito, e nunca foi, mas acreditem quando digo, não era da forma com que nos fizeram acreditar. Nossa identidade nacional e histórica tem muito mais nobreza de atitudes, caráter e virtudes do que nos ensinam.

Quando resgatamos nossa cultura original, nossos pais fundadores recebem os devidos créditos, e nossos heróis são reconhecidos, temos a possibilidade de crescer de fato como nação, pois a cultura é muito mais do que natureza, comida, bebida, e danças, somos quem somos pela consciência do nosso passado. Mas essa consciência nos foi retirada com a falsa narrativa que de o Brasil sempre foi um país desprezado, que era colônia dos indesejados, ou que Dom João VI veio pra cá de forma indigna (o que também será assunto para outro artigo), sendo que temos uma história rica, nobre, que possui erros e acertos como qualquer outra, mas que nos deixou uma herança rica e valorosa, tanto em cultura quanto em valores, mas que nos foi roubada em 1889, quando começou o grande processo de amnésia instituída à força na população pelo sistema de ensino… Mas este também é assunto para outro artigo.

Já vi que tenho muitos artigos à escrever, e pretendo cumprir minhas promessas.

Eu volto com mais.

Fiquem com Deus.

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